terça-feira, 13 de abril de 2010

"...Meu semelhante..."


Um antigo psiquiatra, não se cansava de dizer que a maior causa
de aborrecimentos do ser humano é outro ser humano, muito embora
dissesse também, que a maior causa de alívio desses aborrecimentos
é outro ser humano.
Interessa aqui falar um pouco da primeira parte dessa questão,
ou seja, da má influência de nosso próximo em nosso estado de
espírito. Então para o bem-viver emocional devemos aperfeiçoar
nossa capacidade de convivência com nosso semelhante.
Ao falar sobre a capacidade de nossos semelhantes em nos aborrecer
estamos falando das frustrações, mágoas e irritabilidade que nossos
semelhantes podem produzir em nós. Podemos dizer que nossas
frustrações, mágoas e irritabilidade, são proporcionais aquilo
que esperamos dos outros; quanto mais esperamos, mais sofremos.
Então não devemos esperar nada de ninguém? Não, não devemos.
E é bom acostumarmos com essa idéia. Quanto mais esperamos de
alguém, mais corremos o risco de frustrações, mágoas e
irritabilidade.
Portanto, é bom fazermos tudo aquilo que fazemos sem esperarmos
nada em troca, fazemos por uma questão de consciência. Se algo
de bom vier de nossos semelhantes será um lucro agradável e, se
não vier nada, será normal.
O ser humano, apesar dos milhares de anos conseguindo se adaptar
à natureza, conseguindo sobreviver às intempéries, aos terremotos,
aos animais ferozes, às epidemias e à toda sorte de dificuldades
e perigos que o mundo oferece, continua hoje sofrendo e sendo
vítima daquilo que sempre lhe pareceu o menor dos perigos:
seu semelhante e ele mesmo.
É muito difícil tratar dessa importante questão de nosso
relacionamento com os outros e conosco mesmo de forma resumida e
prática. Primeiro, devido ao risco de falar o óbvio e aquilo que
todos já sabem e, segundo, corre-se o risco de falar coisas
desagradáveis de se ouvir.
Durante toda nossa história podemos experimentar algum sofrimento,
mágoa ou desencanto com nosso próximo e, não obstante, este sofrimento,
mágoa e desencanto serão tão maiores quanto menos nos conhecermos
e menos conhecermos nosso próximo. Aliás, conhecer nosso próximo
só é possível na medida em que conhecemos nós mesmos.
Uma das maiores dificuldade de convivência entre as pessoas se baseia
no fato do ser humano se apresentar um ser social por natureza e,
simultaneamente, um ser egocêntrico. Por sermos sociais, somos
incapazes de viver sozinhos no mundo e, por sermos egocêntricos
somos, ao mesmo tempo, incapazes de conceder aos nossos semelhantes
as mesmas regalias que nos concedemos. Portanto, sozinhos não
conseguimos viver e, paradoxalmente, com o outro também é difícil.
Para compensar essa peça que a natureza nos pregou, fomos dotados
de um atributo muito especial: somos capazes de mudar. Trata-se do
livre arbítrio ou seja, da capacidade de mudanças, de procurar um
amanhã melhor que o hoje. Normalmente nossa evolução acontece através
de mudanças em posturas e em atitudes diante dos semelhantes e da
vida. Estando a pessoa sofrendo alguma mágoa ou frustração produzida
por outra pessoa ou por circunstâncias do destino, será melhor
pleitear uma mudança em sua própria postura diante dos outros e do
mundo para que não se magoe e nem se frustre. Essa é a atitude
mais sensata psiquiatricamente falando, principalmente porque o
psiquiatra não tem acesso e não pode mudar o outro e nem o mundo.
Inicialmente, vamos considerar que a mágoa, o aborrecimento, a
irritabilidade e a frustração são sempre de autoria da pessoa que
se sente magoada, aborrecida, irritada e frustrada. São sentimentos
que nascem na própria pessoa, portanto, a culpa, no sentido
involuntário do termo, deve recair sobre quem está magoado,
aborrecido, irritado e frustrado. É a pessoa quem alimenta tais
sentimentos, é ela quem se deixa magoar, frustrar e aborrecer.
Assim sendo, em termos de sentimentos, o raciocínio mais correto é
dizer que a pessoa deixou-se magoar por fulano e não que foi magoada
por ele. Não deve ser fulano quem nos irrita mas sim, nós nos
deixamos irritar por fulano. Portanto, como se vê, nossos
aborrecimentos têm uma origem dentro de nós, são sentimentos nossos.
Primeiramente, se nos sentimos magoados, aborrecidos, irritados e
frustrados sem que essa tenha sido a intenção do outros, a culpa é
de nossa sensibilidade. Estão nessa situação os sentimentos de
humilhação que experimentamos quando nosso orgulho é ofendido.
Ora, estamos falando de nosso orgulho. Ou nos sentimos magoados
quando achamos que não estamos sendo gostados o tanto que gostaríamos
de ser gostados. Ora, a quantidade que gostaríamos de ser gostados
é nossa pretensão, portanto, de nossa exclusiva responsabilidade.
Ou nos sentimos frustrados porque o outro não satisfaz nossas
expectativas. Ora as expectativas são construídas por nós, portanto,
de nossa autoria.
Em segundo lugar, mesmo sendo intenção dos outros nos magoar,
humilhar, frustrar ou irritar, se estivermos muito bem conosco
mesmo, jamais nos deixaremos abater por tais sentimentos.
A fragilidade sentimental (afetiva) favorece nossa vulnerabilidade
às más intenções de nossos semelhantes.
Nossas frustrações costumam ser proporcionais às nossas pretensões.
Quem deseja ser sempre obedecido incondicionalmente, com certeza
terá muitas oportunidades na vida para sentir-se frustrado.
a mesma forma quem deseja ser sempre e por todos compreendido,
amado, aplaudido, respeitado, etc. Muitas vezes nos magoamos por
sentir que não estamos sendo gostados o tanto que gostaríamos de
ser gostados, nos sentimos humilhados por não sermos prestigiados
o tanto que achamos que merecemos, e assim por diante.
Uma das causas de nossas frustrações é também a sensação de falta
de reciprocidade, ou seja, quando não fazem conosco ou para nós o
mesmo que acreditamos ter feito (de bom) aos outros. Isso significa
que fazemos alguma coisa na esperança de um retorno com lucro.
As pessoas se irritam ao esperar na fila porque, normalmente, não
gostam de deixar ninguém esperando por elas. A realidade nua e crua,
é que as não gostamos de deixar outros esperando porque não gostamos
de esperar, somos gentis no trânsito na expectativa de que sejam
gentis conosco, damos esmolas porque não gostamos de nos sentir
sem dinheiro, somos honestos porque esperamos honestidade dos
outros... Como vemos, nosso parâmetro de bondade, caridade,
compreensão, etc. é sempre nós mesmos.
Essas pretensões para que nossos próximos façam isso ou aquilo,
que procedam dessa ou daquela forma nascem e existem dentro de nós.
Mas, por outro lado, nosso semelhante também tem, tal como nós, suas
pretensões. Aliás, as mesmas pretensões que temos. Ora, como
poderíamos pretender um equilíbrio harmônico entre duas pessoas
que pretendem, simultaneamente, serem ambos admirados, gostados,
respeitados, obedecidos, etc. se essas pessoas não entenderem que
ambos são iguais? Frustrar-se e magoar-se porque meu próximo também
pretende ser admirado, gostado, respeitado e obedecido é, no mínimo,
um grande contra-senso.
Para entendermos nosso semelhante basta consultarmos nossas próprias
pretensões, pulsões, inclinações e anseios (é por isso que ele se
chama nosso semelhante). Portanto, tudo começa com a consciência à
respeito de nós mesmos.

Postado dia 01/03/2007 Blog uol!!!

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